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Foto do escritorGavita

Neônia - Letra N


Nácar


O sono nunca restaura. Nem o perceptível. Coexistem linhas invisíveis preparadas na minúcia do descuido. Algo lembra uma erva encarnada em jardim sem poda, sempre à tona, sombreada. Um insulto é assim, uma declaração também. Antes de soltarem os respingos lúcidos, pintava-se como a folha do bálsamo sugando o sol. Como se sugam as horas e os ponteiros anticorpos na calmaria. A paz nunca restaura, nem o que vacila. Os selos alquímicos pulsam mais que o rio vermelho das claraboias. A mão vacila pelo fogo: nem bem se aniquila o dia com um punhado de alcatrão, busca-se outra dose menos nociva que a morfina, mas dotada de uma estranha capacidade de insaciedade. Na honestidade do vocábulo, nem pássaro, nem órbita. Isto repugna. Agora. Outra tatuagem, talvez? A pirografia como um rito de beatitude para com o interior. Gritando para si o aceitamento daquela ideia mais absurda: ritualizar, exteriorizar. Toda escrita na carne resume-se a adormecer com o antigo colar de madrepérolas abaixo da almofada desgastada de noites que se apagam em uníssono, com a chama do perdoável vício. Sempre o vento gelado orquestrando sinfonias nas persianas de madeira. E dizer que a perdição veio com o claustro inventado. Acreditaria mais uma vez se dissesse com palavras aceitáveis, fluídicas. Cada vez que o nega, mais forte fica, e fortifica-se da abdicação com que o cerca. Não poderá escondê-lo por mais tempo. Lembra? A erva encarnada em pequenas partículas de poeira lunar, a ferida lunar, o canto maremoto, contas entre algas. Sem poda. Indissolúvel. Tu sabes dos bloqueios, das fatais erupções. Exteriorize a pérola que sonda arcaica. O que nos salva é aquela única voz planctônica. Volta. Preciso voltar. Exteriorizar.


 

Napoleônica


E se deus falasse diretamente a você, e nunca ouvisse? E se ele já falou aos teus tímpanos de acordes e dormiste ao som dos vocábulos mais acidentais? O cosmos nos lança o palco. Atuamos conforme a pressão do cuspe de magma sob os calcanhares. Uns dançam, uns voam, outros fogem. Não importa quem escreveu a peça. Os holofotes sempre desvendam as sombras (instantâneos da caixa de mensagens — várias vozes). A viscosidade do universo me derrota. Napoleônica, quero guerrear. Sem nuvens, o nefelibata agoniza no sumo claro dos dias lúcidos. O celeste escorre pelo vento nas fibras de uma falsa oca. Planos de defesa são mapas carcomidos pelas traças de livros. Os livros mais perigosos, de altas e confusas biografias. E se invocasse um faraó egípcio? Seria a mesma tirania. Nem papisa joana me salva da visita mensal. Sem fumaça não há diálogo.


 

Nas águas marciais


Estar-se cais, murmúrio alga, azul entre-dentes. Caravela cnidária urtiga: a laringe. Botes e chacras ardem do ponto cerne, tangenciando vogal e articulação, agora submersas. Embarcação que mira, a partida de outros lemes. Âncora, a pálpebra. Cada sulco na linha d’água viaja para bem distante a rota de especiarias, para as quais nada foi dito. Cerrar os olhos, com o cântico fúnebre destas neblinas, destas dunas. É leve e doce, pela defesa construída de diques, onde o som selvagem é interiorizado. Os dias e as noites mapeados de sumidouros e máscaras de ar. A alegria não pareia esta atmosfera, mas ousa arrebentar, lâmina de maremoto: entre-naus, sempre água-viva. A sina dos eternos bem-aventurados. Não estremecer quando os náufragos vierem à tona, sem cor e sem sopro. Existem as ilhas, os glaciares, os fiordes. E por acordo secreto, nos genes do grande rio: os corsários e os afogados. Quanto ao mar de dentro: navegante silencioso, e atento. Muralha móvel. Empunhar velas, içadas de qualquer matéria: parafina, seda, tempestade e pranto. Não dizer e ainda assim: singrar.


 

Naturalista


E os pés azuis dos atobás valsam sobre as penas inúteis das aves costeiras e dos besouros de galápagos. Enquanto discursam, penso nas milhas para a ilha de darwin. Escrevo, aguardo. Nem tédio, nem torvelinho. Apenas uma maníaca e suave intenção de encontrar pela letra a viagem de uma naturalista ao redor do mundo. Não esqueço o peixe morcego com nadadeiras que brilham para encantar algum predador e nem do peixe-lua que saboreia medusas. Fecho os olhos digitais e me deixo levar junto ao voo das aranhas na carona dos alísios. Vejo-me na costa de pedregulhos coberta por escalesias, primas do dente-de-leão. Uma minúscula balsa com restos de vegetação flutuante serviria. Ainda a encontraria? Poderia ser escrita. Leria com olhos de fito e zooplâncton, pelas correntes submarinas da lagoa vulcânica.


 

Necessaire de Pavônia


As filhas do sepulcro azul de André são pequenas deusas imantadas em minhas unhas colorizadas, no sono dos apartamentos térreos. Perto das nuvens cotovias, depois do 12° andar, elevo-me até seus ninhos, sendo-me flecha no algodão de seus ovários silenciosos.

Anjos, moscas ou gaivotas, estas moças todas que um dia fui.

Numeral algum soletra a quantidade de vezes que citei seus nomes insubordinados. São pontos de crochê no líquen das árvores seculares.

Denderas, sultanas, famigeradas, meus corpúsculos de andorinhas crepusculares na casa do abismo. Gotejam na caverna efervescida do final do dia, quando a passeata do sol precisa descansar estalactites. Quitinas negras e cutículas violetas pelas manjedouras petrificadas.

Morcegos, cítaras ou lantejoulas, estas moças todas que a ti decantarei, com olhos de botão nos corpos dos selvagens surrealistas. Sou apenas uma taxidermista com ferramentas rústicas frente ao figurino do espelho hi-tech.


Primeira moça

É uma sineta na brasa do cigarro. Seus cornos de lua em escorpião furam o lençol vermelho. Distraída de cosmos, tomba pela microfibra dos pandemônios, com sua luva de raposa dérmica.

O plexo solar é uma rosa inflamada, sem estalagem que a repouse como um agapanto roxo pelos dormentes.

Eu a chamei como se invocasse uma borboleta ao contrário. Ela não cedeu pelas dodecafonias e sumiu pelas frestas abruptas de meu monólogo, com uma lacuna soluçante nos olhos de lagarta sutra.

Sua gargalhada histérica ecoa em minhas cicatrizes de agulhas. É minha tatuagem indiana, meu retalho assimétrico pregado na extremidade do esterno, aquele que me falta.


Segunda moça

É um exército de palafita na passarela escorregadia de minha bancada trabalhista.

Eu a colo, osso a osso, até a construção de um castelo de cartas com naipes de cubo mágico.

É toda geometria de lunetas pelas constelações entre pirâmides.

Seus nervos de eletroencefalografia estão esticados eternamente nos sigilosos códigos-morse da guerra fria.

Eu a sondei como se minha visão nublasse a correspondência desesperada entre militares. Mas não decifrei seu esqueleto delicado.

Era cera de museu sua carne coletiva, derretida pelas articulações. Massa de parafina amorfa no castiçal dos cruzeiros.

Era nódulo sul desnorteado. A coluna estendida entre a cabeça e a cauda do dragão. Era e será.


Terceira moça

Vespa na xícara do chá de ligeia. É circular o seu terço de contas doloridas em minha hora de descanso sobre a laringe das labaredas. É a capelã que apaga a vela dos fiéis.

Em sua vértebra de vestal viúva, cantam os santos ocos com coração de pavio.

Cuida do dilúvio pelas catedrais, para que o fogo não atormente os pássaros da cúpula esquecida.

Se não lacrimejasse sobre as preces voláteis, o incêndio inconsequente seria a eminência degoladora de sacerdotes eloquentes na tumba dos vitrais.

Tento alertá-la para que alimente as chamas e deixe de molestá-las com sua pureza de virgem lamuriosa: — Que se incinerem os institutos demonizados pelo cancro das missas automáticas!

Mas ela soluça netuniana e me diz: — A clemência de uma lágrima tem a força propulsora de um holocausto xamânico purificador. Não afaste de ti este cálice.


Quarta moça

É um estribo na pata ferida do camaleão. O tormento másculo no teatro verde das amazonas.

Galopa pela crina das aberrações florais. Passiflora, gota lenta de cascavel no guizo fraco de meus tornozelos.

— Deixa-me ir! Grito para seus tímpanos de víbora acorrentada.

Ela se enfurece pela fibra das forcas entre nogueiras medievais e me enlaça carbonífera, triturando-me na fissura de pangeia.

Sou sua trilobita, três vezes envenenada, na sala arqueológica insípida.

A moça quaternária nasceu após a partida abrupta dos dinossauros.

É uma erva espinhenta nos escombros de londres depois da peste negra.

E enrosca. E cintila. E preenche a casa dos ermitões com sua fieira de murano.


Quinta moça

Albina como a nata paradisíaca na irmandade incestuosa da neve, pois somos irmãs em claridade no amanhecer da calota polar.

Minha papoula macerada no cadinho da dor muscular pelas maratonas.

Beladona grafitada em herbário fustigado de cinza equinocial.

Ela esfrega as patas no escuro vulto dos predadores, desprendendo um pólen anestésico em meus dedos afundados pelas sementeiras coloquiais.

Mas não é um broto tenro no nevoeiro. Antes, um ramo de arabescos prateados trincando o gelo no cume da torre branca hospitalar.

Crianças de medula selvagem gostam de ouvir suas histórias sobre as sentinelas akáshicos, de um tempo onde o reino das águas claras era apenas um principado sem moedas.


Sexta moça

É um afluente do Rio Ebola, não contaminada pelo carbono 14. Lava as epidemias que ameaçam cavalos-marinhos. Era o que dizia quando passeávamos, atadas pelas tranças finas de nossas conversas sobre os pergaminhos lacrados nas garrafas de cabernets.

Aprendíamos com o garoto mandarim a linguagem das meninas prematuras, aquelas que ditam salmos bélicos aos homens de boa placenta.

Juntas, éramos filhotes de águia, em círculo de nascituros, atentos ao futuro nômade das incubadoras. Pois devíamos ser milimetricamente ensaiados para o controle da temperatura corporal enquanto a mãe das nuvens natimortas nos envolvesse com seu rigor de evolução.

Esta moça me ensinou a persistência das gotículas. Era a temperança do tarô, distraindo pavões com seus jarros equilibristas, sempre esvaziando ou transbordando a guerra santa.

— Para temperar a ganância dos aquedutos, era o que dizia.

Eu a seguia.


Sétima moça

Neste corpo, descanso, capitular. Pois a sétima criatura já foi descrita na página 38 do camafeu escarlate, com as garras desertas da cortesã do infinito transparente apontadas em esporão passeriforme para o alfabeto ornamentado das iluminuras (especificamente sobre as letras que não mais se maquiam, como estas moças, covas todas que um dia serei).


ps: Poderia descrevê-las apenas como projeções da histeria hormonal ou em fuga de realidades com seus dramas cosméticos, batons e cápsulas, mas estaria sendo desonesta, com a vida e com a poesia da existência.


 

Nem Mata Hari, nem maragata

Mª Sidéria da Lapa, de Floriana Graça…


… Do meu quarto de moça vejo, cega, as vitrines do mundo. Também vejo o quarto dos moços e do avô. O meu quarto é o local de circulação central, por onde todos transitam. Não tenho privacidade. Não me importo. Eu escrevo e lá no caderno de quitutes, com suas gramas oníricas e aceitáveis, só entra quem meu desejo cozinha e aprova. Os temperos são inexistentes na horta da mãe e da avó. Meu espartilho me aperta e não me deixa caminhar livremente. Então escrevo, quando o cinturão está vazio e abandonado no baú. Eu caminho como um cisne. Mas é outro truque. Minhas asas são feitas de palha, altamente combustíveis. A pólvora está do outro lado da rua, no panteão dos heróis. O pavio costura o espartilho ou é mergulhado em óleo, nas pacíficas lamparinas que brilham como urzes e olhos de lontras, em noites de extrema lucidez e tédio.


(odeio cozinhar)


 

Neuromancer


O invisível-esquisito-psicodélico-antropomórfico para a compreensão de certos estágios corriqueiros. Não saem da linha de raciocínio, sugerem. A linha é torta, mas como pingentes, algumas emoções carreadoras de bem-estar, penduram-se. Tem certo ar de catedral, esta passagem até lá: o imaculado. Através das coisas visíveis procura-se seguir até este local. Elas se dissolvem e se misturam… sem que se perca a elipse individual que lhes satura de cinza e estrela. Embora não sejam articuladas as palavras para descrever este processo, percebo uma oxigenação de certos sentidos dormentes quando transmutam o pensamento em mais linhas.

Percebo a atração pelo branco e gesticulando mimeticamente, como os calígrafos sobre o grimório, quase se libertam as tensões da musculatura em uma representação meio tosca do segundo ínfimo de alguma iluminação. Entre a cinza e a estrela. Poderia ser o ponto de ebulição esta adjetivação, mas não. Pressões da atmosfera sobre a pele evitam que o limite dérmico se rompa definitivamente. E agradeço, num compreensível ato de egocentrismo, por esta contida e oposta força, capaz de conter o atômico rebelde em uma cápsula de pensamentos personalizados. Cinzas. E pó. Tédio vocálico, confortante incompreensão protetora. Não se vê a utilidade disto: deste proceder (in)voluntário, o de ir até o branco como se vai até uma procissão cansativa, mas milagrosa. Pois que a alma parece digerir o corpo, o núcleo fulminando o exterior, aquilo que prende e que conserva e que luta, luta, luta. Uma luta autômata.

Não se vê poesia aqui, embora gerido do êxtase poético. A sensação é coletiva. Senão não a teria. Impossível a originalidade ou condição especial. Sou também esta passagem ao branco e à procissão. As coisas misturam-se à minha matéria, mas não me fazem transparecer. O branco é fértil. Não atraem os pensamentos de suicídio, muito menos os depressivos. Há uma alegria constante, apesar deste embate. Diriam falta de pão, falta de amor, falta de deus. Mas eu canso de dizer que é o oposto.

Ir até o branco de outrem. Até o limite que impede a osmose sensorial. Até a página dos livros. Até a tela. Um cyborg construído pelo meio grotesco, tentando revitalizar o traje de um flâneur. Quem sabe o vislumbre fugidio do imenso e negro bloco pétreo, fetal, no negativo da película vital.

Não é perda de aura, querido Benjamim, é a própria reprodutibilidade da mesma. O holocausto virtual que corrompe as noções de tempo e espaço é o ensaio do que a constituição encefálica pode, sem a extensão de sua massa pelas ferramentas tecnológicas.

20XX: o ano em que faremos contato. Input/Output. Namastê.


 

Nix


Que Nix os acalente com seu tapete necromante, pois é preciso apagar e matar, no negror da sonolência, um milhão de dados fúteis, para que o cérebro perceba, descansado e na íntegra, o tremeluzente e mísero sílex de uma estrela ou de uma nuvem. Nuvens e estrelas não são inofensivas e nem nunca serão. Exigem lentes especiais, filtros solares ou guarda-chuvas que costuram tetos portáteis sobre as cabeças. E que a artimanha nefelibata de cadáveres exóticos se enrodilhe em avalanche sobre as calotas cerebrais embrutecidas pela desatenção imagética.


 

No cílio das ampolas


Tenho uma torre de babel tatuada na testa. Não tenho culpa se não querem ver. Está aberta à visitação, 24 horas por dia e noite. Por muito tempo deixei que tentassem vê-la para que se abrisse como uma súmula de lótus, ao respeitoso labor de um mandato externo, para direcionar meus diálogos. Frustrei-me de expectativas. Neste ano do Galo que diz Abraxás, permitirei o vocabulário espontâneo. Preciso ser egoísta, ao menos durante 365 dias de minha existência. Talvez meu ego não procure mais ofuscar minha sombra e toda narrativa sequencial de meus genes me diga, por entre espelhos ofertados: gracias, baby — agora somos apenas um no cerne do holograma. E ainda que quebrassem todos os espelhos que me refletem, existiriam as máscaras de infinitos brilhos. Diriam purpurina cênica. Mas é ciência, músculo frágil e hemácia agonizante. Brilham, como aquele velho demônio que todos conhecem, caindo e fazendo um risco de meteoros alucinados. Desconheço a razão do reflexo. Dependo de observadores. Vocês me fazem brilhar, chuva de diamantes, ocaso cintilante, aurora bórica, fósforo de zeus no cílio das ampolas.


 

No jardim dos fugitivos


Temos encontros escondidos. Secretos como o sistema nervoso das plumas-do-mar na orla da praia. Doloridos e pulsantes. Quando me adianto, o espero com a frase engatilhada nas mãos, se o dia é frio. Quando é calor, nos olhos o projétil líquido armazenado como o Mediterrâneo dentro dos pequenos cântaros de Pompeia. Achamos belo o filete liquefeito caindo das faces. A antiquíssima lágrima gotejando sobre a cinza dos mistérios soterrados pelas canções que nos recitamos. As máscaras se dissolvem, piscianas, sereias, mitológicas.

Por vezes me atraso dias, noites, madrugadas, séculos. Mas ele estará lá, impassível e com as sonatas girando ao redor de sua aura. Aguardo feito o silêncio da areia, refreio a temperatura, invento obstáculos temporais, para poder chegar mansamente e ver a fosforescência desprendida da sua meditação solitária sobre as coisas, sobre as folhas, as vagas, as fragatas, as aves imigrantes e as muralhas que trago nos bolsos. Uma só palavra e tudo se desfaz, se mescla, se explica como o caos do magma, incorruptível em sua dança mineral.

Na colheita de Lughnasadh ele me faz esperar, tingindo a pele clara no envoltório do sol imperial. Exércitos etíopes acordam do sangue e marcham pelos músculos. Fico onça, rapina, esvaindo a ira das monções no balé da melanina. Invoco a refrescância dos crepúsculos. Quando ele chega, quando ele chaga, quando ele queima, quando mais me dói. E já não sei se foi o sol ou a demência que sua demora cristaliza em minha travessia.

E já não lembro e já não preciso rastrear.

Quando ele chega, sonolento, sepultando-me entre nuvens.

Quando ele chega. O vento.


 

Noite espiã


Noite espiã, feriado fechando feridas. A alma selvagem se abre, petúnia aveludada, boca de antro. Espigam-se as estrelas, confundindo a seda celeste com a pele mortífera do pulso floral. Mergulham, anãs imantadas. A alma pacifica-se pelo cárcere do brilho de mil corpos celestes — as mil e uma noites completas na histeria da sombra. Rompe-se o umbigo da atmosfera, em fios desencapados e acordes de purpurina. Um sol amputado ensaia a acrobacia de confete debaixo das pradarias. Bichos pastam a indecisão do calor e da cor, assombrando estábulos ainda sonâmbulos. Quando raiar a manhã nublada, o burburinho de uma chuva sonolenta acordará o orvalho escurecido. Deitaremos sobre a almofada das pedras antigas, decoradas pela história dos séculos, sem entender como astros e santidades giram ao redor de nossos organismos biodegradáveis.


 

Notívago norte


Nave lúcida, nave náutica. Serei nausica neste vale de nuvens niqueladas. Pois minha nítida nárnia nebulosa sonda os navios narcóticos de nuances que nos nivelam ao never more! Nanosferas nórdicas, ou de nêmesis, nocauteiem o nosso nunca nidificar nas necrofagias nativas de nosferatus neandertais! Nas núpcias de nadas, que possamos nascer numéricos em netunianos núcleos! Napoleônico me negocio, nudista sob nogueiras noturnas. Eis-me néon necrosando novelas nutrientes. Nivelado como um nimbus noturno sobre os noticiários: creio-me nômade, noutrolugar.


 

(n)ossos, os equinócios


Eu ouço o retorno. Eu me volto. Para que nos encontremos, que tu sejas o sol e que o caminho seja fausto. Podem existir outras trajetórias, se preferir. Mas o imaculado, invictus, reside no aparente diadema que abarca o mundo visível e o concretiza no centro da grande cruz, margeado pelas estrelas reais. Ao amanhecer, que o fogo seja brando, o primordial que ainda não aquece. No meio do dia, que diga a que veio. Nos ocidentes, que dialoguemos, ensaiando a liberta sensação que nos permite o sinônimo, como o arquipélago e a tectônica dilacerada. E no zênite da obscuridade, o meio da noite no coração negro, que as cadentes risquem seus alfabetos de portais.


Pronunciei o eixo cravado no corpo de Pérsias e Perseus. E vi a terra ardente no galope de Pégasus, quando o céu é de ouro e a neblina se abre com o amarelo dos giros de sóis. Devo persistir: o outono já se tinge de cetros e o plátano agita-se com a saliva do monarca decaído — seu coração norteado pelo cruzeiro, antiquíssimo bóreas.


Se tu vieres, que seja solar. Estou na babel sideral, onde melhor circulo, onde é extrema a audição. Ouço-te, se solaris. Podem nos dizer mil eclipses, mas eu testemunho o renascer heliacal. Tua voz no maremoto, e a Via láctea.


 

Noz de galha


Locusta, satana, presente em reunião-concílio-de-niceia: nos anéis-roldanas-romanas, o peso metalúrgico do céu. Alternadas, suas correntes e gemas-malthus, rivalizando a dinâmica das lâmpadas. Em amplitude rouca de manto terrestre pelo timbre vocálico, vibra suposições, defesas. Causas e efeitos. As palavras partem das mãos e alcançam os tímpanos, com a arqueologia das lianas. Resistentes. Hipnóticas. Seus casamentos internos postulam estados mentais de variações climáticas indecifráveis pela ciência dos ventos. Ventre agripino. Contração caligular. Garras nerofágicas. Recusando a aliança das academias letristas. Decapitado, sem lâmina, seu pescoço derrama leite. Communicatio cordium em toque de recolher, com decote V. Em verde de falópio, faz pose para o retratista. E o questiona, úrsula de si:

— Quem é este que pinta os estigmas nas mãos dos santos para entenderem o corpo provisório de deus?

Locusta, satana, ora por nós.

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