Udyat
Há anos guardava dois círculos de rubi, com íris de infravermelho. Esferas perfeitas para as noites sórdidas de celofane. O mineral, projetado nos olhos de cada hora, espantava a sonolência das almas presas em cada partícula, orgânica e inorgânica. Hoje, no final do ano de altas labaredas, os pequenos poços de cuspe de magma foram suturados nas órbitas do pássaro que me chegou durante a noite dos presépios sufocados por leds. O pássaro de pedra cinzenta tinha um prego fincado profundamente em sua pupila esquerda. Quando o puxei, com o desempenho com que se extirpam os estigmas da cruz romana ou os panos incrustados nas múmias egípcias, sangrei os dedos para ouvir sua bioacústica sobre gigantescas e coloridas cordilheiras. Voa agora por dentro de meu espírito, deslizando no papel bíblico das células como as penas dos tinteiros que escrevem os mandamentos das extintas divindades, tornando-as eternamente esconjuradas e escarlates.
Um corpo herege no cemitério de néon
A terra roxa, a bisavó benzedeira. Sodalita, nunca quis teu azul. O slogan portfólio. A aura escarlate, o passo amarelo, cuidado atenção.
Enquanto escrevo abraxas, nos terreiros degolam o bode e o galo. E a fogueira, acesa só para mim, seiscentos e sessenta e seis micro-ondas.
Vivo a escrita dos grimórios. Meu tempo caça às bruxas ainda fresco nas praças de alimentação. Babalon sadia nos rótulos de uma barra de cereais. O tridente de fiat lux espeta a carne frigorífica de uma maçã domesticada.
Tenho um punhal medieval, colorizado e intacto, para algum ritual cibernético. Cultivando à sombra, livros e mais livros, transgênicos. E gado marcado, com alguma dócil indolência, apresento formal (por fora) o desgastado erregê. Limpo a seco.
Sodalita, nunca quis teu azul.
Mantenha-me longe do alcance dos iluministas de celofane.
Proibido virar à mão esquerda.
Um zoomorfo na sala de espera
Não era um animal de estimação que delatava a projeção de sua presença pelas poltronas. Uivava e não se adivinhava de qual vento. Amortecia o ranger do chão, mas não era macio como um tapete voador. Lembrava um parque temático, pelos constantes salmos da retina. Uma juba avermelhada de circo não domado flertando aos apelos do adestrador. Estirava-se no ponto focal das farmacopeias. O silêncio arrogante corrompido pelas narinas em constante estiramento. Procurava o fascínio da turba na ausência de seu vocabulário. Sem queixas, sem jugos. A labareda de um quadrúpede corroído e mitológico pelo desgaste dos anos no crematório da costela. As patas e as escamas esquartejando o tédio de uma repartição. Era dele o chicote e a etiqueta, prestes a dardejar o coração dos homens incrédulos. Paciente, lia.
Uma escada para o mato
Palha no rosto, farfalha enfermaria. Abre-se fenda em trilha hipocondríaca, fissura medicinal no pulso filiforme das criaturas domesticadas. Efervesce lua pílula na bula farmacêutica da memória. (Quem dera fosse conta redonda em guia de orixá). Manto, losango peixe, engoma fibras de terra fresca no corpo-vício dos jalecos. Farfalha a fórceps a palha no trinado do atotô. Abrem-se tímpanos de xapanã: glóbulos de mato, grilo, sapo — legato de guiné no lago minguante. Colostro de cipó anestesia língua pesteada. Receita de crina no colapso dos cabelos. Pajelança viceja venosa. Aguilhão de jiboia na artéria. E um diagnóstico de hamadríade apodrece a heresia das seringas sujas. Farfalha, farfalha, floresta: cura a mancha que é meu rosto na falha forte do teu corpo.
Valac
A caveira de um ekaedro arde na fibra púrpura do tempo. Estio magnético. A memória em osso e marfim, com dramaturgia de catedral, desfila a pedra-sutura. Quando a ideia de cosmos profundo amolece e escapa da musculatura. Além dos escafandros: a geometria que nos protege da gravidade. Vazam nuvens fertilizantes sobre os prados e mesas. Espalham uma santa ceia de frieza descomunal sobre o corpo dos insetos. É doce e metálica. Revigoramos o exoesqueleto sobre a massa gelada. Órbita do todo! Não se esvaia sem nós. Suspende nosso umbigo de látex e sílex até galateia, a dimensão das noites grandiosas. Exótica como o fêmur exposto do caos. Aquele, que corre.
A profecia da química nos unge pelas escadarias, dos rasgos da terra ao cinturão de asteroides. Subimos e descemos no corpo um, do outro. Ele, dotado de índole luzente, é meu edifício, a minha construção lunar incandescida. Escorro dentro do seu sangue de bálsamo gotejante, pois é destino bem-aventurado a ascensão e a queda do soro pelos minérios, na transfusão que os torna mútuo elixir.
Vana marg
Sexta, quase sabá na amnésia escarlate de um poema que nunca será. Pescando escaravelhos em almas ortodoxas. Desenvolvendo-se mágico nos detritos da insônia programada e cotidiana. E a gnose flutuando no estanho das digitais, sob a endocrinologia de Devi. Repetindo, repetindo: santo é o nome oculto quando a santidade é cantiga perolada na força da lástima. Calúnia de crowley & cronos. Corvos abençoam pastos fendidos pela mísera guerra. A carne, o cancro, o cairo e a vértebra na embolia dos templos, na injúria cromática de um ocaso qualquer. Repito, repito a aleluia iluminando uma lua adoecida na sujidade dos vidros. A fraternidade amanhece vitrificada.
Venatu, a caça morta
O transporte coletivo surge e me acolhe. Fico livre da areia que castigava o ambiente desprotegido. Carrego uma cesta rústica que está quente e viva, pois acomoda um filhote de cervídeo, castanho, com mesclas reluzentes e escuras se intercalando pelo veludo da pelagem. Tenho de cuidar da cria sem mãe. Deixo a cesta em uma das poltronas iniciais do coletivo. Devo entrar, pagar a passagem e verificar se existem lugares vagos. Há somente um, ao lado de uma mulher corpulenta. Acomodo-me, mas não consigo me tranquilizar, pois a cesta deve ficar comigo. A mulher levanta e se vai. Corro pelo interior do coletivo até alcançar o bebê dourado. Temo que ocupem as poltronas vazias, mas o tempo foi justo e consigo nossos dois lugares. Prossigo a viagem, segura de que a pequena criatura está protegida. Não sei para onde estamos indo, mas cumpri parte da viagem sem que o animalzinho sequer abrisse os olhos. Sua placidez sonífera foi o único elemento isento de pânico durante toda minha movimentação pelo sonho. Não sei quando ele despertará, para que sua galhada enfim se torne real, como um poema ou uma floresta mitológica. Isto foi há pouco.
Vento de pestanas acinzentadas
Pensar ultramar. As feridas que deus plantou na primavera arábica dos numerais, pode soprar, anjo cinzelado? Pois minha mandálica metamorfose de sonoridade treina e invoca um vento de pestanas acinzentadas sobre as linhas da anatomia dos abecedários. Há de se libertar o fenômeno magista dos hipocampos pelos arrozais & trigos bentos, amplificando a palavra pelo mito do carvão ou do ouro silábico. Fecundo negror profundo, jazida onde três crianças modelam a trigonometria das rosas filosofais. A trindade dos temperos na temperatura das pinturas: nanquim, água e sangue de dragão. Entrar na delicada região dos filtros seria doloroso, sem o sopro de suas artérias. Miasma fluido, vapor de retortas. Anos de treino frustrado pelo pólen que provoca escândalos florais nas argamassas, e me sai espontaneamente a dupla fumaça, expulsa pelo nariz, arcanjo de queda espalhafatosa. Ninguém presente e a coluna dúbia do pensamento despede-se solitária, como um poema sem leitor. O faro? Diluído. Não é literatura. É erva. Mate.
Vesúvia
Envelheço enquanto noticiam o fim do mundo. Resisto e ultrapasso. Os dias oscilam sempre desiguais na dança poderosa dos hormônios, cada vez mais vertiginosos e temperamentais. Sentir esta oscilação dolorosa me faz cada noite mais plena, como os recortes geográficos, acostumados ao humor pitoresco do clima e de suas sinfonias delirantes. Vem a chuva grossa, digo que limpe minha face. Vem o cascalho de uma erupção, digo que se amolde intimamente em minhas expressões faciais. Enquanto ludibrio o sangramento mensal e o cuspe das elipses, me pacifico com o coração férreo do planeta, que me diz, feito amante ou irmão: venha a nós o vosso reino. Eu vou, caminho rindo da histeria, e dobram-se as vísceras imantadas pelo chamado da gravidade satânica. Digo crepúsculo ao diabólico. Digo luar de floresta ao cântico dos mortos precoces. Sondo oração, benévola de peçonha, na inversão dos polos. Encontro a epifania dos passos no molde ainda amorfo do solo. Em teatro caseiro me coroo com o chapéu triangular e furo nuvens, cinzentas ou brancas, por pura distração anímica. Sei que voo enquanto as letras escapam e os vapores evocam formas nada sutis. Sei que sou a criadora de meu rosto. Sei que nunca serei a criatura órfã. Sei que envelheço enquanto noticiam o fim do mundo.
Vetiver de Circe
O que costumava ser-me profecia virou silabário contrário. Quando me ditava a madrugada como seriam as glórias da manhã, os arcos sombrios de belladonas no corpo dos pântanos. Por onde caminhava, como terreno pleno, como oratório imaculado. Sem erros, porque o seguia às cegas, às escuras. Intuindo a luz incitada, que existia mascarada no sabre das perambulações mais obscuras.
Deu-se a inversão. E, porque o aceitava como o moribundo que ressuscita no placebo, como a lunação gera a maré, deu-se a transfusão de dons. Alçaram-me os adjetivos, as proclamações, o patchouly desprendido quando o elemental atua, quando se transubstancia no crédito das frases possuídas de abismo e imensidão. Deu-se a transfusão. Saíam-me apocalipses a descrever sua incansável pantomima. Quanto ao meu imaginário, nada mais conjugava. Tornei-me a previdente. Não há regozijo. Não quis perceber o sentido, quando o gritei, no meio do escuro, no meio da cegueira, no centro perdido da febre abençoada que havia me doado às farsas. Agora singra torpe, às farpas, embotado de vapores adocicados. Não reconhece no próprio sangue a maceração das dramaturgias, o óleo agreste das lacunas perdidas, possessas de savanas e sublimações. Eu o digo, às máscaras: talvez não consiga voltar. Talvez não consiga voltar, sem vetiver.
Viagem de Arachis
Moças vitorianas para a ceia da renovação. Enterro suas cabeças no forno, para tostar o amido amargo de suas neuroses. Derreto a maior gramatura do sagrado chocolate que recolho das comemorações. Envolvo suas peles enfadonhas com a lama gordurosa e perfumada, pensando em maçãs aquecidas por mortalhas da cor dos asfaltos — vagens, viagens, pajens e pajés. Ficam doces e quietas, espiando por dentro do celofane decorativo.
Mas, assim como os coelhos e os amendoins, se revoltam com a grossa e disforme camada de memória, e sapateiam com coices internos. Sinto que também sufocam como atuns na rede de um pescador noturno.
Deixo que caiam de minhas mãos com um estrondo de chuva ácida sobre o chão encerado, para rolarem como olhos de freira pelos pergaminhos, livres sereias.
Fingindo uma voz com alta dosagem de calmantes, tranquilizo-as, dizendo que a queda fará com que aquele barro todo que as envolve quebre feito espelho no cio da gravidade. E que, no fundo atravessarão as mesas como vieram ao mundo: nuas e puras. Digo que reconhecerão sua secreta geocarpia, mesmo com toda maquiagem do mundo das estrelas de plástico.
Mas sabemos, eu-coelho e as moças-amendoins, que depois da febre e da tempestade solar não há fruto que retorne ao estado natural. Se amadurecem, no biorritmo da floresta ou na cozinha de um anjo do lar, nunca deixarão de impelir que as manipulem para forjarem um espírito ou petisco apetitoso e dançarino.
Provo a noz subterrânea com a falsa e doce casca rompida. E só me sobressai a sede eterna por alguma voz estranhamente melodiosa, parecida com a que intuíamos dentro do útero. Lembro que suas flores amarelas um dia se esconderam no subsolo para participar do pio da terra, mas que as colheram, ainda surdas.
Virgem escorpião
Iniciação: casa da lua. Splendor solis na cabeceira. Medula do ferimento de leão na andrógina iconografia dos desmembramentos. Dissolver-se à plenitude das eras de prosa púrpura. Quando se pode tocar o primeiro rosto de tinta tíria, contorcido no vácuo primordial. Seriam necessárias 1000 cabeças e 1000 pés até o instante de culto imaginário. Há de se coagular o psicopompo. Com os sapatos-de-lótus acesos a guiar o avanço. Íbis, lacraia, sanguessuga, projéteis fagocitários: as extremidades de ano-luz alvejando o citoplasma de uma criatura que se cristaliza em reflexos de ferrugem. Sua íris teria a cor dos excrementos e dos plátanos em glaciares, como convém a qualquer cerne de energia plasmada no espaço onde a terra se inverte em ervanários. A cor da fertilidade dos territórios, vivos e mortos. O pigmento da mumificação. Seria preciso fitar o medo orgânico, a repulsa cósmica. Para prosseguir, embalsamado em meditações químicas. Doando verbo-elétron aos esquartejamentos do eixo digestão-excreção. Seria preciso regurgitar todo castanho que entope canais e válvulas. Abrir todas as chagas para o dourado. Virar-se ao avesso com substantivos de netuno, o dissoluto. E ruminar ao pó de onde viemos: és belo porque não me és. Estás descalço.
Vitruviana
Sanhaços azuis, déspotas mirrados. Personas externas no corredor. Não alcançam. A passeata sardônica, entes efêmeros de hefesto em heras helicoidais. Eflúvios de massa tão cristalina. Não há nome que os contenha em orbe e esfera. Sem tímpano, sem tambor. Pagãos sem batismo, cantos de ultrassom. Chamaria vegetação marinha, ondulação morna de sargaços, a sarça ardente da intuição na polissemia das cunhas sobre o dorso esférico de uma âncora dissolvida no cancro metafórico do mar. Estão dentro. Déspotas mirrados, sanhaços azuis. Personas externas no corredor. Não alcançam. Sangro quando me distancio da terra. Liquefazer-se é um dom vermelho distante do céu. Respiro na precariedade dos solos. O ar, gêmeo, torneia o fogo abortado pelo julgamento dos tolos. Não há fogueira que cale a fístula etérea. Veio no sonho, tornado. Os pesadelos do mar não encontraram a âncora das mandíbulas. Rio, vitruviana.
Vozes da fratura
Retorna ao cerne de tua sala. Mais uma miragem por teus dourados espelhos, teu mundo barroco, teus felinos adormecidos no veludo dos móveis e aquela insistente pátina da poeira dos dias, feito verniz de violino secular, como descrito no livro sobre o interno do museu parisiense. Tuas coleções fatídicas, heresias passadas a te lembrar, agora, que vieste para recuperar tesouros e renová-los. Tua vida avaliada pelo sopro da reciclagem. Nada mudou, desde os séculos negros. Transformou-se, assim como tua saliva volúvel, distribuindo, lado a lado, o santo nome de ídolos tão estrangeiros e distantes, do barro, do lodo, da tríade de estrelas oriontes. Ainda, e talvez hoje em amplitude superior, o peso desta bagagem te trava o coração: o veludo, a ilusão de teu perfil na sombra do gramofone rouco, os livros tantos. Cada personagem vivo em teu coração, materializando tua força e decadência, tuas rotas alcoviteiras de mistérios psíquicos. O vampiro sedento e a alma atormentada pela paisagem do labirinto. Voa teu cabelo multicor: cada rubro fio uma serpente de Nilo. Cada chibatada de vento uma atitude vocálica enlouquecida. A louca condenada avançando para a fogueira, esta ideia que te enrosca o pulso e o suspende pelos ábacos da imaginação. Teu poeta cego, teu redentor inexistente, teu avatar translúcido sorrindo-te abismo no pingente dos pêndulos. Peregrino de pistas angelicais, perseguindo gravuras de têmperas sacrílegas, a intuir que é de muito longínquo o início de teu fado: talvez do seio iluminista, onde te cuspiam fanfarrices embotando a verdade de teu missal. Ressurja, fênix de teu eu profundo, doado ao enfado dos bastidores. Os guardiões te velam o sonho e tu não ousas pronunciá-los. Mais uma miragem em teus espelhos dourados. Mais um personagem ressuscitado e tu vereis: enroscado na dobra da saia indiana, a vértebra exata te oscilará pelo teu império mais cobiçado. Avante, peregrino quixotesco. Mais um, sempre o mais.
— Eu não tinha passado antes da trilha das rosáceas e agora meu futuro é um nome escrito às avessas na murada da grande cidade oriental. Eu não supria vertigens antes da caçada no topo do vulcão e agora meu presente é uma lasca de madeira petrificada: estaca ou cruzeiro? Nada me fecha a retina pelo eclipse: detentor de apocalipses, sobre a sombra das hastes vegetais. Tua boca me lapida, eu, bruto geodo. Tu: lábio lápide. Eu não tinha saudade antes do teu canto avermelhado e agora meu vislumbre é o címbalo interno que me ressoas quando me matas, de verbo e de dor. De um autor desconhecido me veio ideia massacrante, porque dilata meus dias e adormece e volta como a expansão constante de uma terra inóspita.
Não é uma busca, é uma constatação. É um documento, uma declaração de amor que me é diariamente um embuste? Um versículo que me cabe? A profecia? Um tratado de reação química? Uma mente catalítica simbiótica? Um ser alienígena, uma molécula, uma descrição botânica? É tudo e mais, sempre o mais. Prestidigitador. Tudo para dizer que tu jogas demais com a natureza de tuas vísceras amortecidas pelo azul. E no final, é sempre meu nome que sentencias.
divindade do mundo selvagem
está entre nós
estrela gigantesca que a uns alimenta
e a outros fulmina
casto é teu ouro cáustico
sol holocausto
Xantofila
Anjos terpenos flutuam sobre berços, com adagas circulares. Suas cabeças acima do universo, gestantes. Gatos macios, voam em triângulos pela geometria do chão. A mente levita, fóssil paraplégica, pela boca das torres fulminadas.
(vê como a obscuridade nos cai bem.
e depois nos eleva.)
Ela, papisa amarela, espera a delicadeza de um hexagrama. Afia as unhas com os leques jugulares. Roda fortuna! Ave-gira, o veludo de exúvias. Orientais, todos eles. Quimeras abertas contra o corpo fechado da massa atmosférica. Orientai, vós, o espaço. Com a bússola perdida de magnólias. Os elementos são signos radioativos, no meio do dia. Xanto, xanto, xanto, é o senhor dos exércitos crisântemos. Imperioso solar.
(vê como a obscuridade nos enfurece.
e depois nos criva de sonhos.)
Assim falou Zarabatana para Chirico
Os dias são enigmáticos na solidão dos signos. A bile negra é dos herdeiros de Saturno. Minha fleuma é magenta, quase inexistente. Na falta de clorofila, injeto a floresta no sangue. Meu coração não está dentro de mim — é apenas anímico.
Navego o mar insensato da paisagem pós-batalha na Praça de Turim. Nada me escapa à metamorfose: o jogo de volumes das sombras acima do vazio dos fantasmas, com vapor de vespa.
Liberto os objetos da tirania da aparência. Caio no que podem se transformar, além da identidade previsível.
Vestindo o sudário de um cão negro adormecido, sou uma mulher fosforescente, um ser atônito com formigas carregadas de curare saindo das mãos.
Esplenograficamente, louvo o animal que habita o homem — o cavalo marinho, o paramécio titânico, ornitorrinco, louva-deus, tamanduá — transatlânticos entre os reinos. Bendigo a camuflagem, o mimetismo, a simbiose: a forma híbrida que a imaginação projeta com tempestade e ímpeto no muro branco das lamentações encefálicas.
Amalburga, cosmopolita, não sei o que é luto, mesmo tendo-o por predileta cor — coleóptera.
Nada procuro daquilo que não seja feito com o devir da clarividência. Então não há mágoa. Estou sempre à frente da loja do naturalista. E enquanto executo meu ofício de taxidermia, as estátuas meditam e tonalizam uma extinta divindade anestesiada pelo raio da manhã — seus olhos de jade, sua intenção de manequim entalhada no acrílico: ultrapassam o valor químico da humanidade perecível.
Na única palavra, espero zarabatanas. Você entende?
Zinabre
Zumbia sobre minhas asas. Discordava da articulação siamesa de metais. Ensaiava rótulas de idiomas que me eram estranhos, pela leveza e pela cor. Mas eu levitava sob o rio de prata, serpente com densidade de espelho. Que seus olhos, maresia de nuvem, não queriam ver. No entanto, persistíamos nos desafiando, gravemente. O corpo-ágape uivado de vento.
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