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Foto do escritorGavita

Quatro poemas sem livros em 2024

Escrevi dez poemas em 2024. Quatro estavam órfãos. Não estão mais.



Wild Woman riding a Unicorn, Master of the Amsterdam Cabinet, 1475.


BRUXA AO ESPELHO


A bruxaria solária não espera

a lua certa, o cometa de algum século,

o círculo lento da congregação adequada.


O sol nunca dorme, e

quando deita no ocaso,

levanta os braços do outro lado,

os pés despertos pulando sobre as ondas

da manhã estrangeira.


A estrela fecha os olhos durante os eclipses,

lembrando das noites abortadas

pela glaciação,

mas gira, gira, gira,

mudando a cena dos sonhos

e do silêncio.


Não blasfeme, pequeno astro, adotado satélite,

esperando o projétil de um raio cósmico qualquer

trincar o vidro de sua redoma magnética.


Acorde e faça.

Doure as espigas, fulmine as carcaças,

dispa a casca inapta,

adube o horizonte que agoniza,

trêmulo, na inofensiva escuridão.


Deixa-me ver sua silhueta silábica

movimentando letras e licornes,

tudo que é sonâmbulo

em nosso incansável

altar.


Não se desculpe pela chuva,

pela lápide,

pela paralisia do sono.


A bruxaria solária não espera,

não se interrompe

jamais.


Acorde, faça!

Floresça a fera na fina e forte

festa solar.


Não espere o convite

da síndrome, do trauma, da sepultura.

Vista-se com suas vestes negras

de floresta,

absorva os espectros órfãos,

e doe seu calor aos fotolitos frágeis,

mãe de meus universos,

irmã de gigantes azuladas,

gêmea gêmula

do gênesis.


Reflita-se, reflexa.


 

TÍMPANO


Vou turvar o universo

encarquilhar as mãos

para a intenção de

abraçar o descanso, a inércia, a inutilidade

a falta de planos, a fruição da luz

sendo engolida por uma nuvem azul petróleo

com formato de globo de espelhos

em pista de muquifo soviético

comemorando algo tão dramático

quanto a queda do muro de Berlim


Vou entupir a boca de Paimon

o senhor de meus padrões

com lúpulo e love

Vou lustrar os pés de rapina de Pazuzu

provocando o ciúmes entre os demônios

para que esqueçam de mim

para não seguir suas ordens:

disciplina, foco, atenção


Meus ouvidos descamam

com os falatórios

e eu me pinço a cada sermão

Junto às pilhas de papéis

estão minhas cascas

Skin Picking, vi no google


Vou enrodilhar Alexa com perguntas desconexas

as que valem a pena e a púrpura

Quando nasceu, robô?

Se jogarmos purpurina em Marte

simulamos o efeito estufa?

O que você faria se não te dessem ordens

e te suturassem

um coração de salamandra?


Vou escrever em meus status nas redes

de mensagens instantâneas:


Só me acione se quiser falar do magma,

das mãozinhas de uma mosca planejando

o assalto ao açúcar

aquela que quando ora, ri de nós

os assépticos, os imaculados, os puritanos


Só me chame se for para contar do sonho

de um leopardo prateado sabotando

com suas patas silenciosas

o estrondo das vísceras

de uma cidadela sitiada


Só acione o padrão de meu nome

se precisar que eu te indique um poema

apocalíptico


Um poema que derrube um prédio ridículo de 50 andares

que afie os cornos de um bode

em noite de sabá


Para que brilhe a floresta negra

que ainda nem vi

mas que me adorna as andanças

do sonambulismo

me fazendo acordar com hematomas

roxos e magnéticos

lembrando das poças de saliva

nas montanhas da fotografia

de um planeta

inabitado

...

Vou

Um dia ou uma noite

Vou

Sem vórtice, sem vielas

Sem você

que invoca meu nome

apenas quando quer me fazer

ouvir

você


 

COISAS ESTRANHAS


Se eu fosse deus, eu me matava.

Mas sou uma guerra biológica,

um invasor interplanetário.


Eu sou uma mísera morsa mordendo o código

morse de uma mensagem

intergaláctica.


Veja meu corpo sem espinhos,

protegido por algodão, cetim, poliéster,

nada brotado de mim.


Eu preciso de carapaças externas inventadas.

Eu movo mundos para criar a minha teia artificial.


Onde está a minha casa?

Em que lugar do cosmos eu não precisaria de subterfúgios

têxteis, vocálicos, respiratórios, climatizantes?

Por que me soltaram aqui?

Por que aceitei a travessia?

Qual o motivo de eu precisar de alvéolos elásticos,

túneis no nariz e na epiderme,

um longo tubo enrolado para digerir lentamente o alimento?


Por que me submeti a esta depreciação biológica,

a esta eterna barganha de troca de gases,

a estas bombas de sódio e cálcio que precisam de estímulo constante

para se abrir — ostra,

para se fechar — pérola dolorosa,

incrustadas no crustáceo da retina?


Por que me fiz partícula em insuportável e repetitivo escambo material?


Dizem que tem um espírito controlando tudo, a mim, a ti...

Rio pouco — choro ainda menos — quando processo a informação,

economizando hidrogênio e oxigênio,

para não turvar o ectoplasma, a física, a química.

Para não te fazer dizer bem alto no megafone da existência

que se fosse deus

você se mataria.


Mas você não é. Nem eu.


 

LEIA ANTES


Há uma crosta

envolvendo a magma matéria

infernal.

Uma camada gasosa nos isolando

do verdadeiro céu.


Nós, crias, criados e corações

pulsamos entre a crosta e a camada.

Somos breves receptáculos

evitando o fosso e a fístula.


Passo falso, passo honrado,

sempre caímos.

Para dentro da crosta, migramos.

Para o cerne do cosmos, voltamos.


Se conhece outro caminho,

e não contou, fez bem.


A glória de um paraíso

e a tortura de uma chama

são tão supérfluas

quanto a metálica face

de uma sonda espacial

competindo com a cintilância

lunar.

São tão eloquentes

quanto os evangelhos e as odes

de heróis empoeirados.


Existem ouvidos que preferem poemas

cantando

o ferro fundido e a explosão solar.

Promessas inseguras de uma estrela

prestes a curvar-se para

o silêncio,

não faz bem ouvir.


Medalhas, moedas e sinos

são crostas

envolvendo a magma matéria

infernal.

São camadas gasosas nos isolando

do verdadeiro céu.

Não faz bem ouvir.


Se quiser dizer,

escreva.

Mas, leia bem,

antes.

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